segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ENTREVISTA - AFONSO MOTTA PARA REVISTA BUREAU


Dessa vez, vou apenas transcrever a entrevista do Afonso Motta a revista Bureau.

Se querem tem uma visão decente do agronegócio, leiam essa entrevista.

Vice-Presidente do Grupo RBS de Comunicação vai se dedicar à busca de uma POLÍTICA PÚBLICA adequada ao agronegócio.

Depois de 23 anos como bem sucedido executivo do Grupo RBS, a maior empresa de comunicação do sul do país e maior das filiadas da Rede Globo, Afonso Antunes da Motta, o criador do Canal Rural, pretende se dedicar à política e contribuir para garantir meios do produtor rural ter renda e reconhecimento ainda maiores. Ele fica até 31 de dezembro no Grupo e depois segue os caminhos da política brasileira.

Advogado por formação e líder em gestão empresarial pela atuação profissional Afonso Motta é também pecuarista e produtor rural por gosto e paixão.

BUREAU-O Canal Rural é um sonho realizado e do qual tens muito orgulho. Como e porquê a decisão de seguir outros caminhos?

AFONSO Vamos lembrar um pouco o inicio. Eu era diretor jurídico no sistema bancário quando fui chamado para a RBS. E nesse tempo eu já tinha iniciado minha atividade rural no Alegrete (no RS Alegrete é sempre no masculino). Uma cidade da fronteira do Rio Grande do Sul, o maior município em extensão geográfica do estado, com uma característica de pecuária muito forte. E eu sempre me identifiquei muito com a pecuária. Sempre fui um pecuarista por gosto, por opção. Sempre gostei muito da criação de gado, toda a cadeia da produção da carne.E vim pra RBS num momento em que havia uma crítica muito forte de alguns setores gaúcho, sobre o pouco espaço dado pela mídia. Até comparando com o concorrente mais forte da empresa, que tinha um investimento importante no conteúdo rural. E eu trouxe para a RBS essa provocação, iniciamos então a trabalhar no sentido de qualificar o conteúdo rural, restrito na época a um caderno semanal no principal jornal da empresa a ZERO HORA Mas foi se ampliando e passou a ocupar os espaços mais nobres do jornal. No inicio dos anos 90 o agronegócio passava por uma falta de credibilidade muito grande, especialmente em função do endividamento, passava muito a imagem do calote. E nós começamos a pensar num modelo que qualificasse o conteúdo.

Havia muita dificuldade de fontes na época. Quem poderia repercutir bem o fato pra que a sociedade reconhecesse a contribuição do setor? Tivemos que ir em busca disso e também

trabalhar pela qualificação de jornalistas para levantarem a informação e dar a dimensão adequada. Depois passamos a trabalhar num conceito de comunidade rural, no sentido de que a produção do conteúdo de natureza segmentada deveria alcançar determinado público.Foi aí que surgiu a idéia e o projeto do Canal Rural, que foi uma grande inovação, de colocar esse conteúdo todo em uma televisão.

E de repente surgiu a idéia, mais uma vez revolucionária, de desenvolvermos o comércio dessa televisão rural pela realização de leilões. Os leilões, mais do que comércio, representaram uma inovação, até hoje são uma inovação que não existe precedente no mundo. Mas muito mais do que isso os leilões passaram a contribuir decisivamente para a imagem atual da pecuária brasileira. Da raça nelore, das raças européias, e muito em particular o cavalo crioulo, representaram uma valorização da produção extraordinária, e mais do que isso, um grande momento de um reforço dessas comunidades. E viabilizaram esse modelo de televisão. Tudo isso fez com que a RBS passasse a ser reconhecida como uma produtora de conteúdo rural.

Contou muito para esse resultado o meu papel, a minha intimidade com o setor, desde muito jovem. Não recebi nenhuma herança de terras ou rebanho sou pecuarista por opção.

Eu sempre tive a consciência do papel institucional de um veículo como o Canal Rural para um setor que é o que mais contribui para a atividade econômica e o que mais gera emprego.O Canal Rural ainda tem muitas possibilidades, mas a gente sabe que o espaço, hoje, da publicidade, dos grandes eventos, não estão no espaço de segmentação, estão nos espaços mais massificados. E a minha cabeça está com entusiasmo em dar minha contribuição de uma outra forma, me desvinculando da área de comunicação e desenvolvendo um ativismo com uma amplitude maior. Mas, acho que vou passar o resto da minha vida olhando para o Canal Rural como um filho.

BUREAU - Então veio a opção pela política?

AFONSO – A essência é procurar levar uma contribuição, procurar estruturar projetos, pensar em um conceito de gestão avançado e me somar a todos aqueles espaços que já existem. Eu não tenho nenhuma pretensão de achar que aquilo que eu vou encaminhar seja mais ou menos qualificado do que aquilo que já vem sendo apresentado como um todo.

Eu pretendo fazer um discurso diferente. E é esse discurso de fazer o setor ir ao encontro da sociedade. Se possível pela contribuição num primeiro momento de disputar a política pública.E claro que, como hoje o próprio projeto do presidente Lula é um projeto de poder, a gente tem que pensar em projeto de poder, mas não imaginar que é possível um segmento da sociedade ter o poder. Acho é um projeto de poder político, institucional, que passa pela repercussão e pela força do ser humano, com dimensão social muito forte, com ampla visão do mundo. Não pode ser o setor pelo setor.

BUREAU – Como vês o setor hoje, no Rio Grande do Sul e no Brasil?

AFONSO - Eu considero que apesar da grande evolução que tivemos, uma ampliação dos horizontes, pois hoje o que a gente produz é exportado para o mundo inteiro, eu acredito que ainda há uma precariedade de organização, de articulação. E há uma grande precariedade na visão. Porque passou todo esse tempo e não se avançou na conquista de uma política pública. E uma das causas disso é que o discurso está errado.

O discurso é muito limitado, é muito interesseiro e pega mal perante a opinião pública. Vejo que está caindo de maduro uma visão indo ao encontro da opinião pública, e não fazer discurso para nós mesmos. Esse discurso atual é defesa da propriedade pela defesa da propriedade, ele é precário na medida em que a população tem que compreender efetivamente o que é a exploração da propriedade, buscando e atendendo um interesse social. Hoje a distinção não é mais por propriedade grande ou pequena, é uma responsabilidade que todos têm de participar, a propriedade tem que produzir. Acho que o que passa muitas vezes para a opinião pública é uma defesa intransigente da sociedade, quando é o contrário. Nós, produtores, de certa forma alimentamos o que eu considero mais precário ainda que é o movimento dos sem terra. O movimento está se esgotando. Mas focado no antagonismo com os produtores consegue sobreviver. E joga um parte da sociedade contra os produtores, mesmo aquela parte que convive em municípios que são totalmente dependentes do agronegócio, onde 60 a 70% da atividade econômica se deve ao agronegócio. A segunda questão é essa, de fundo maior, que é a nossa obrigação de convencer a sociedade de que nós somos os que mais produzimos na atividade econômica, os que mais geramos empregos. Por isso é que nós temos o direito de postular uma política pública diferenciada para o setor. Na minha forma de ver o setor vai ter que se articular de uma forma que busque alianças com determinados segmentos, e tem que ter muito cuidado para não parecer que essa aliança é uma aliança conservadora, que há um desvirtuamento do setor tanto institucional como político. Porque parece que o capital está com o setor rural quando não está mais. Uma época ser proprietário de terra era ter muito capital, hoje não é mais assim. No Rio Grande do Sul ele perdeu o poder, mas continua se comportando como se tivesse, não participa da construção daquilo que hoje é o mais importante em qualquer cidade, daquilo que o Banco Mundial chama de capital social. E temos que trabalhar nesse sentido. Temos que ampliar horizontes, fazer diferente nosso marketing, sem perder claro a defesa daquilo que é importante, das nossas causas. Mas eu acho que o que dá força para a sociedade, no fundo no fundo é quem garante a política pública.

BUREAU – O que é uma política pública adequada?

AFONSO - Política pública não é só financiamento, não é só garantia de preço, não é só crédito, ela tem que ter um horizonte de inserção, a partir da vocação, para que a gente realmente apareça como um setor que contribui decisivamente no processo institucional, no processo de desenvolvimento. Eu acho que, a médio e longo prazo, não vai ter outra forma,

a atividade política está se transformando muito mais em projeto de poder do que em atividade de fundo programático. De outra parte há um fortalecimento das visões divisionistas do setor. Não há nenhuma dúvida que o fortalecimento da agricultura familiar, a criação de um ministério, que de alguma maneira tire uma fatia importante da valorização do ministério da agricultura, como o desenvolvimento agrário. Todas essas questões deveriam estar sob o mesmo escopo, que no fundo é uma política pública adequada para valorizar a produção nacional seja ela pequena, média, grande, com todas as suas repercussões, mas agora, mais do que isso é muito importante também uma política pública integrada com toda a questão do meio ambiente e sustentabilidade. São coisas que têm que estar dentro do mesmo contexto. Então toda essa visão acaba estreitando o espaço político do agronegócio.

BUREAU - És um criador de Angus. Como trabalhas a tua criação?

AFONSO – Eu tenho uma pecuária de uma dimensão grande pra nossa realidade da região. A sustentação de minha criação é um plantel de Angus, vermelho e preto. Faço a cadeia completa. No inicio pensei em ser um cabanheiro elitizado, mas acabei mudando meus planos e hoje quase 100% do que eu produzo é para atender a minha demanda de gado geral. E uso a minha produção com melhor desenvolvimento genético para isso. E estou muito satisfeito. Porque realmente o resultado é melhor e o investimento menor.

Sempre participei junto à entidade da raça e da do Cavalo Crioulo. Não tenho um plantel de vanguarda, mas um plantel que faço questão que seja bem trabalhado. E agora recentemente a diretoria da Associação Brasileira do Angus, me convidou para ser presidente do conselho dos criadores.

BUREAU – Como vês o desenvolvimento das raças européias?

AFONSO - Cada raça tem seu espaço. As raças européias não podem tem a ambição de atingir os números de quantidade de produção do Nelore, por exemplo. Mas podemos nos diferenciar pela qualidade da carne. Pela maciez, sabor, é da natureza da raça do Angus. A nossa grande referência, aqui no sul, é avançarmos até o ponto da Argentina e do Uruguai. Que são as grandes referências de carne das raças européias. A carne do Rio Grande do Sul vem conseguindo avanços na medida em que mercados muitos exigentes querem a nossa carne. Esse é o grande espaço que da carne gaúcha para se alinhar aos mercados já conquistados pela Argentina e Uruguai, esse é o nosso desafio. Temos é que lutar para conseguir preço.

BUREAU – Falando em preço, como vês o mercado da carne atualmente?

AFONSO - Nós estamos passando por uma conjuntura internacional desfavorável diante do que vinha se apresentando. Mas, se formos olhar o movimento que a pecuária brasileira fez nos últimos cinco anos é extraordinário. Muito se deve ao trabalho do ex-ministro Pratini de Moraes que, na ABIEC, conseguiu abrir mercado em mais de 150 países e conseguiu uma condição excepcional para a carne brasileira. A crise internacional fez com que alguns grandes compradores deixassem de adquirir os volumes anteriores.

Mas as questões climáticas da Argentina, Uruguai, Nova Zelândia, Austrália está com problemas, nos favorecem. Porque o boi brasileiro é criado a pasto, essa é uma grande vantagem. E olha que sempre tivemos algumas dificuldades sanitárias pela falta de conscientização de alguns produtores, mas estamos avançando. Já se alastra uma consciência sobre a importância fundamental da sanidade, a grande discussão sobre a rastreabilidade, que é uma questão relevante, o combate ao abigeato. Então, acho que têm avanços, deve haver uma procura continuada. Mas a lógica é um aumento na demanda de carne. A crise também está trazendo um aperto muito grande para as industrias. Elas tinham feito projeções e hoje estão com dificuldades. Isso tudo está relacionado. Desemprego, consumo, industria, preços internacionais. Mas, acredito que deve haver uma recomposição e que a carne deve ser um produto de grande procura nos próximos anos.

BUREAU – Falaste em crise. A gente sabe que na economia elas são cíclicas. Nossos produtores rurais sabem administrar em épocas de crises?

AFONSO - O produtor rural está avançando em dois aspectos importantes que ajudam muito. Mas ainda há muita coisa para avançar.O primeiro é a utilização adequada da informação.Teoricamente ninguém deveria se surpreender muito com essa estiagem que está acontecendo aqui no sul do país. Teoricamente. Agora, se as pessoas acreditaram ou não, se houve precaução na dimensão exata para minimizar as perdas, talvez não tenha havido.E a segunda, questão importante, é a questão dos preços, das cotações, de se manter atualizado de forma permanente, com fornecedores e clientes, esse banco de informações atualizado acho que ajuda bastante e mudou bastante.

E outra questão é o uso da tecnologia. Tanto a campo como também na retaguarda como consolidação de custos e como vantagem competitiva na concorrência normal, nos vários segmentos do agronegócio.

BUREAU - Endividamento e falta de renda ainda são problemas cruciais?

AFONSO - O que falta para resolver é a questão da política pública, O que realmente não conseguimos é uma política pública que dê uma segurança mínima. Passa por seguro rural, crédito, critérios com relação a financiamento e a pagamento de dívidas, preços mínimos, preços de insumos, a questão da formação e educação do trabalhador rural, exoneração tributária. Todas essas questões. O trabalhador rural está agindo mais por impulso interesse a interesse, safra a safra.

BUREAU - A política pública para o setor rural é tua grande bandeira. Que política pública propões?

AFONSO – Eu diria que pode ser dividida em tópicos.

1- que garanta uma mobilização permanente do setor, não para reivindicar mas para valorizar, para celebrar, acho que é muito relacionado com a valorização das iniciativas do setor, tanto os que trabalham no meio como os que produzem, os titulares da produção.

2- está faltando uma visão estratégica do que é uma política pública que estimule pensar o futuro. Depois colocar em discussão uma pauta que passa pela política de procedimentos, insumos, seguros, enfim que garantam a questão da renda. Depois questões relacionadas com estímulo, incentivo. É claro já temos muitas coisas boas como a Embrapa, Emater, mas acho que deveria ter, deveríamos ampliar essas entidades de fomento. O processo educacional, de formação também é muito importante.

3- realmente transformar o Ministério da Agricultura num ministério de vanguarda. Poderia ser o grande facilitador e grande executor de uma política pública e ele é hoje totalmente desvirtuado. Primeiro o processo de escolha do ministro, não é um processo de escolha por identidade, ou por vocação, faz parte de um partilhamento político e não atende minimamente as ambições do setor, até essa desmistificação em relação ao pequeno, ao grande, ao médio, esse estímulo ao antagonismo. Uma política de quem busca a terra mais para fins ideológicos, políticos do que para produção.

Acredito que tem espaço para uma bela construção. Mas, ninguém pode achar que é o dono da verdade, isso tem que ser um debate precisa ser uma construção. Como tudo hoje para dar certo no mundo.

BUREAU – E o que se vê nesse momento?

AFONSO - O que se vê no mundo nesse momento é que a política é, e continua sendo, a coisa mais importante. Porque se o mundo inteiro está dependendo do estado intervir na atividade econômica para salvar segmentos inteiros, não tem nada mais importante do que a política pública nesse momento Agora, a gente tem certeza que o modelo proposto não vingou e nem vai vingar. Então muito mais importância assume a escolha de pessoas que possam contribuir nesse cenário específico, onde a política pública é fundamental em nome do interesse público.

BUREAU – E o futuro próximo?

AFONSO -Vai haver uma outra discussão. Depois da crise vai se fazer uma discussão sobre o modelo de estado, da nova ordem. O nosso setor vai ser valorizado para isso, porque tem uma estrutura mais tangível. Porque a gente lida com a terra, é produtor de carne, de alimento.A nossa estrutura econômica é mais viável em uma outra concepção de economia.Tanto é assim que se a gente andar pelas regiões produtoras hoje as questões mais relevantes são a questão do clima, do financiamento. A nossa atividade econômica tem grande vigor.A política pública com relação a soja , por exemplo, é uma coisa positiva. Não atende os mínimos, mas como o mercado está valorizando a soja com um preço super competitivo esta atividade está gerando renda para o produtor, agora, qual é o problema? O problema é que aqui. por exemplo, com a estiagem não estamos colhendo o que deveríamos colher. Mas, acredito que depois da crise o setor rural vai sair fortalecido.

BUREAU – A gente percebe que esse assunto te entusiasma muito!

AFONSO - E é exatamente isso que me motiva de participar da política. Eu pretendo participar tentando contribuir, principalmente na minha região de atuação, mas claro que com essa visão de recuperar um discurso de valorizar a contribuição mais ampla do setor, e menos específica e estimular uma participação do setor em uma disputa pela política pública. Hoje já tem essa disputa, e a gente não está se dando conta. E aqueles que reagem à vocação natural, eles tem outros projetos, para essas áreas mais direcionadas para a vocação, realmente eles pensam em colonização, em uma industrialização fora da vocação, pensam em instrumentalização de setores vocacionados através da política de distribuição de ajudas, tipo bolsa família, distribuição de casas, tudo isso não deixa de ser uma instrumentalização política para desvincular, principalmente os que mais precisam da política pública, que são os mais humildes. Aqui tem um trabalho para a gente construir, uma legitimação pra gente ocupar esse espaço.

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